terça-feira, 11 de março de 2014

O Novo Rei Patusco

Amigos, lá pelos idos de 1965, escrevi uma crônica para o eterno Jornal dos Sports chamada Sejamos docemente barrigudos, na qual defendia, entre outras coisas, a qualidade moral do barrigudo, de obesidade cordial e bonachona, em contraponto à vilania canalha, neurótica, cheia de ressentimento e acidez do magro. Por que, agora, passados tantos anos, retomo essas pinceladas boscheanas sobre valores físicos e psicológicos do ser humano? É que, mais uma vez, após anos de ditadura da magreza, de imposição das leis dos fisiologistas, de culto cego ao futebol força, transbordando de jogadores com saúde de vaca premiada, surge um gordinho bem-aventurado! Sim, amigos, um Rei Patusco que vem, do reino da santidade das barrigas, redimir o futebol brasileiro, jogando no Fluminense Footbal Club!


Digo isso, pois todos sabem que o tricolor mais amado e adorado do planeta viveu, em 2013, um ano tenebroso! Desceu os círculos do Inferno de Dante, lambeu a língua de Satã, e só não retornou ao Purgatório da segunda divisão porque Portuguesa e Flamengo se esmeraram em esbanjar incompetência em seus departamentos jurídicos. Futebol é mística, paixão, delírio, aparição divina no seio da realidade, arte clássica, romântica, de vanguarda, performance real, mas, antes de tudo, jogo, e, como tal, tem regras, estabelecidas e cumpridas pelos participantes, seja na pelada de rua mais rastaquera, seja numa final de mundial da FIFA. Se os lorpas e pascácios dizem o contrário, pior para eles.


E, depois de um ano em que foi salvo pelo gongo, de um ano de tragédia anunciada que ficou suspensa como um grito parado no ar, o Fluminense retorna, renovado, como força da natureza que é - ligado ao tempo cíclico que rege os deuses da morte e nascimento, não às entidades do tempo cronológico linear -, apresentando à sua imensa e doce torcida a contratação do ano: Walter, o gordinho artilheiro.


É bom lembrar que os ventres de pipa do futebol brasileiro foram fundamentais para escrever a história gloriosa de nossas chuteiras imortais. O que seria de Pelé, no Santos, sem a elegância - dos tenores italianos, com suas barrigas deslumbrantes -, do futebol incisivo do sempre fora do peso Coutinho? Sem a magia do cracaço tanoeiro Edu? O imenso Fla-Flu, clássico das batalhas cósmicas, públicas e familiares, não seria o mesmo sem o memorável gol de barriga, de gordurinha localizada, de Renato Gaúcho na decisão do carioca de 1995, que deu o título ao Flu no ano do centenário do arquirrival. E o que falar de Ronaldo, o fenômeno, ou do imperador Adriano, sempre açodados pelo superego da balança, num mundo de atletas medíocres de humilhantes barrigas tanquinho?


E, para completar, não seríamos a potência maior do futebol se não iniciássemos nossa trajetória épica de títulos mundiais, em 1958, sob o comando de um gordo, o maravilhoso Feola. Reza a lenda que o sábio balofo dormia o sono dos justos, dos anjos celestiais, no banco dos treinadores enquanto a bola rolava em campo, muito bem tratada pelos craques de antanho. Dotado de uma cordialidade indiscriminada e abundante, Feola conseguiu eliminar a neurose de vira lata magro que se apossou do futebol nacional após a fatídica derrota de 1950 para o Uruguai, num Maracanã abarrotado de fanáticos torcedores brasileiros.


Sim, amigos o Kiko, como Waltinho do Flu é chamado na intimidade, em referência ao personagem de bochechas de bulldog do programa infantil Chaves, veio para resgatar um tipo especial de futebol arte brasileiro, o da inteligência e habilidade dos gordinhos geniais, que usam sua energia nobre como crianças das metamorfoses do espírito de Nietzsche. O filósofo alemão, em Assim falou Zaratustra, fala da auto-superarão do espírito, fazendo a passagem do camelo (besta de carga, que aceita o “tu deves”) para o leão (que diz “eu quero” e conquista a liberdade), até, finalmente, chegar a ser criança (afirmação criativa espontânea, santa e livre).


A diferença fundamental entre o adiposo Waltinho e o mimado Kiko, é que este último tinha como um de seus bordões humorísticos principais a frase nonsense: "Esperem só até eu ganhar minha bola quadrada!". No Fluminense fênix, versão 2014, o gordinho abençoado, com voz de cambaxirra, vaticina aos quatro ventos suas heróicas façanhas porvir, com uma frase que faz muito mais sentido do que poderiam prever os idiotas da objetividade: "Esperem só até eu receber aquelas bolas redondas do Fred e do Conca!"

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