sábado, 12 de novembro de 2011

Um Fluminense latin lover

Amigos, foi uma noite para a torcida tricolor esquecer. Digo, para esquecer, claro, se houvesse tempo para isso. Se o campeonato estivesse em seu início ou no meio. Mas diante da situação atual, não há como esquecer. Faltavam apenas cinco rodadas para o final, antes do jogo de hoje, agora, para o Fluminense, somente míseros quatro jogos para tentar, mais uma vez, o impossível. As coisas se complicaram para o tricolor mais famoso do planeta. Temos que, amanhã, tirar nossas toalhas do armário de mogno para secarmos nossos adversários diretos ao título. O que não deixa de ser uma esperança de que o imponderável volte a nos visitar. Amigo antigo nas vitórias improváveis e inimigo feroz nas derrotas anunciadas. Sim, por que a derrota para o Coelho estava anunciada por vozes ecoando dos abismos do nada há milhões de anos. Bastava captar no ar. Por ora, entretanto, ouço apenas o canto das sereias, embriagante, dizendo que o Tricolor das Laranjeiras será o campeão brasileiro de 2011.

Vocês hão de perguntar: o que aconteceu com esse homem que não consegue enxergar a verdade mais deslavada, esfregada sem meios tons em seus focinhos? O máximo que o Fluminense conseguirá neste campeonato é uma vaga para a Libertadores...e olhe lá...Contudo, eu vos afirmo, não por cegueira, ironia ou persistência gratuita: o Fluminense, atual campeão, manterá, em 2011, o título nacional em Álvaro Chaves. Afirmo isso por que, após o silêncio que se espalhou pelos quatro cantos do Engenhão, hoje, devido à derrota acachapante e incontestável para o América Mineiro - nosso carrasco eterno -, o Velho do Restelo apareceu ao meu lado, com suas imensas barbas de patriarca e seus cabelos esvoaçante brancos. Foi no final do jogo, veio como uma aparição espectral e, sem papas na língua, sussurrou em meu ouvido: Nada para o Fluminense é fácil. O campeonato estava começando a se tornar fácil. Agora sim, depois dessa derrota acachapante, creio mais do que nunca na consagração de nossas hostes guerreiras!

Vocês conseguem acreditar nisso? O Velho do Restelo, saído das páginas de Os Lusíadas, de Camões, aquele mesmo que condenava a ousadia, chamado-a de insana, do povo português se lançar ao mar para conquistar o desconhecido nas Índias e nas Américas. Ele mesmo, o severo, a própria tradição encarnada, o Sr. antiaventura, o implacável, agora se aventurando em afirmar que a narrativa do título por vir estava apenas começando. Incrédulo diante daquela figura de alpercatas, cajado na mão e túnica inconsútil, subindo, encurvado, as arquibancadas do Estádio Olímpico João Havelange, num ritmo mais acelerado do que a vasta procissão atônita da torcida pó-de-arroz, olhei para ele e retruquei: pelo amor de deus, Velho, respeite a dor que invade a nossa alma, já ferida por mais de mil espíritos daninhos! E ele, corpo serelepe, apesar de sua voz de timbre centenário, sentenciou: depois da rodada de amanhã conversamos. Os nossos adversários irão tropeçar. Na quarta, contra o Grêmio, este estádio estará mais cheio ainda do que hoje; e, aí, sim, começará a nossa verdadeira arrancada rumo ao tetra!

Quando esbocei o desejo de responder, o Velho de Restelo já havia sumido, sem deixar rastros. Apenas vi seu cocuruto lá adiante, em meio à multidão verde, branca e grená, descendo as rampas espiraladas em direção aos portões de saída. Alguns torcedores tentavam em vão explicar o inexplicável, outros nem tentavam, a maioria silenciava funebremente. Foi quando apareceu o latin lover, o marido infiel da loura indignada, com quem assisti o primeiro tempo do jogo. No intervalo, por pura superstição minha, pois o Fluminense já perdia por um a zero, sem jogar bulhufas, disse ao latin lover que iria ao banheiro, e não voltei mais para o lugar ao seu lado nas cadeiras. Fui para outro canto, para ver se a sorte também mudava. Não adiantou, o time de Minas, praticamente rebaixado, defendeu a honra de seu estado com bravura e tranqüilidade, a mesma que sobrou ao Flu na vitória sobre o Inter no domingo passado, e a mesma que faltou, além de vibração e entrega, ao time hoje.

O sujeito, de bigodinho fino, cabelo de brilhantina, camisa estampada aberta no peito, sapato bicolor, mantinha o mesmo riso cínico no rosto do início do jogo. Momento em que afirmara que estava tão feliz com a volta da torcida tricolor, em peso, ao estádio, que até permitia que as mulheres e moças que estavam ali com seus namorados, o traíssem, pois todas, sem exceção, já tinham um dia sido apaixonadas por ele. Tamanha empáfia não cabia dentro dos olhos esbugalhados do latin lover, transbordava para os alambrados, ondulava pelos setores Superiores e Inferiores, Norte e Sul, se espalhando pelo gramado, como um vírus maligno, que só atingiu a alma e o corpo do time do Fluminense. Alma morta, corpo mole. Empáfia e máscara pesada.

Mas vocês dirão? E o América? Não teve méritos na vitória acachapante sobre o seu velho freguês, que não ganha do time mineiro há mais de 50 anos? E para quem, em campeonatos brasileiros, desde 1971, nunca perdeu (agora são quatro empates e quatro derrotas)? Claro que sim. Teve calma, boa disposição em campo, inteligência. Tocou muito bem a bola, soube jogar pelo setor mais fraco do time das Laranjeiras, nas costas do jogador de ocasião, Jefferson, que substituía a Carlinhos, e que acabou desperdiçando a oportunidade de virar herói, pois os deuses do futebol preferiram dar-lhe o papel de vilão do jogo. Mais do que ninguém, o Coelho mereceu a acachapante e gloriosa vitória!

Contudo, se já falei em outra crônica da visita, rara, porém verossímil, de um tedioso e aristocrático personagem em algumas cenas dos espetáculos em que o tricolor se exibe - um Fluminense tão Flaubert -, hoje, amigos, mais um tipo surgiu para desfilar na galeria das máscaras que entram, maculando, desabusadas, as narrativas épicas da ópera encenada pelo Flu nos gramados do planeta: o soberbo marido infiel, indigno de sua torcida apaixonada, um Fluminense latin lover.

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